sábado, 14 de março de 2009

Capítulo 6 - Fuga Sob a Lua

- Eu sei de uma ponte no Distrito Sul. Não é confiável e só costuma ser usada para traficar poêmia – disse o bárbaro, tentando pensar na única saída desimpedida.

- Vai ter que servir. Além disso, não temos muito tempo – Ares e Grammal começaram a caminhar, o semi-orc guiando o cavaleiro pelos escuros becos da Cidadela dos Ladrões – Se toparmos com algum guarda, só vai haver mais confusão.

Grammal conhecia Yamasha suficientemente bem para evitar as áreas indesejáveis. Agora, porém, não tinha alternativa. O Distrito Sul era o bairro dos loucos, dos irrecuperáveis, dos viciados que passavam dia e noite embriagados pela fumaça da poêmia.

A poêmia era uma das plantas mais cobiçadas do reino e nascia em cores diversas, cada qual com sua propriedade. Algumas eram usadas para produzir veneno, outras para causar alucinações, algumas para fazer um homem relaxar e havia aquelas utilizadas como afrodisíaco. Tudo dependia do tipo da flor e da forma como era preparada. É claro que muitos consumiam a poêmia como entorpecente, tornando-se profundamente dependente de seus efeitos.

O Distrito Sul era cheio de pequenas tavernas onde os traficantes vendiam principalmente a poêmia vermelha, que induzia o usuário a um estado moderado de loucura. As reações variavam. Os mais violentos sonhavam com inimigos imaginários, lutavam com o vento e matavam uns aos outros em meio ao frenesi. Mas a maioria ficava ali, caída pelas ruas, na sarjeta, sem vontade nem mesmo para se mexer. A boa notícia era que até os ladrões evitavam a vizinhança, e os guardas só apareciam em raras ocasiões.

Ares e Grammal entraram por uma rua mais ampla, desviando dos moribundos no chão - às vezes era difícil saber quem estava vivo e quem estava morto. É verdade que qualquer guerreiro bem treinado reconhecia um cadáver pelo cheiro, mas o aroma adocicado da planta poluía o ar, confundindo os odores comuns.

Os dois passaram reto pelas estalagens, até chegar a uma esquina próxima à muralha. Grammal enxergou uma porta de ferro reforçada, recortada na pedra, que dava acesso ao lado de fora de Yamasha. Estava guarnecida por cinco soldados.

Antes que fossem notados, ele e o cavaleiro recuaram às sombras.

- Cinco guardas – sussurrou Grammal – Usam cotas de malha, capacetes de aço e carregam espadas.

- Esta é a saída? – perguntou Ares, com certo ar de decepção – Não é um portão, é uma porta. Muito menor do que eu pensava.

- Tanto melhor. Menos guerreiros para defendê-la.

O cavaleiro não respondeu. Em vez disso, apontou para cima. A muralha era suficientemente grossa para formar, em seu topo, um passadiço, uma área em que os soldados podiam circular, proteger e observar. Lá, havia mais cinco guardiões com arcos, prontos a atirar flechas em quem arrumasse briga na rua.

- Aí se vai o nosso plano – desanimou o bárbaro – Até podíamos encarar esses guardas, mas não com uma chuva de flechas sobre nossas cabeças.

- Você consegue escalar a muralha?

Grammal sorriu, em orgulho quase infantil. Fora criado nas montanhas Naghara, uma região deserta e inóspita onde a caça estava sempre em covis escondidos na rocha.

- Eu, claro. Mas você, duvido – ele olhou para a armadura pesada de Ares.

- Tenho uma idéia.

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Os cinco sentinelas que defendiam a porta não sabiam exatamente o que estava acontecendo. Aquela entrada nunca precisara ser protegida. Os governantes da cidade tinham um acordo com os traficantes – deixavam a passagem livre em troca de um gordo suborno. Mas algumas horas atrás um viajante matara quatro vigias no portão principal, tentando furar o bloqueio. Depois, desaparecera na noite.

Tudo o que aqueles soldados tinham era uma descrição tosca. O sujeito usava uma espada de duas mãos e vestia uma armadura completa. Por via das dúvidas, a ordem era para impedir que qualquer um deixasse Yamasha até que as casas e tavernas fossem vasculhadas.

O sargento Zanoro, que comandava aquela guarnição, não tinha esperança de prender ninguém em seu turno, até que uma figura de capa e capuz apareceu caminhando em direção à muralha. De início, não pensou que pudesse ser o fugitivo, mas depois entendeu que o sobretudo poderia estar sendo usado para ocultar uma armadura.

- Alto lá, seja quem for – o sargento tomou a iniciativa – Esta passagem está fechada.

- Peço permissão para transpô-la. Vim a Yamasha tratar de negócios, e agora tenho assuntos urgentes em outras partes do reino – era verdade.

O sargento, então, notou que o forasteiro trajava mesmo uma armadura, e levava uma espada igual à descrita embainhada nas costas. Podia ser o homem que buscava! Por um instante, sentiu-se animado por tê-lo ao seu alcance; por outro, ouvira que era um oponente terrível em combate. Cauteloso, escorregou a mão ao cabo da espada. Para sua surpresa, porém, o forasteiro fez o mesmo, e desafiou:

- Quer apostar quem saca mais rápido?

Zarono gelou. Aquele homem era rápido em suas reações, e movia-se como um espadachim competente. Mas logo em seguida lembrou-se que tinha o auxílio de quatro militares a pé e cinco arqueiros no passadiço, que observavam atentos a conclusão do impasse.

- Seu cão estrangeiro! Ajoelhe-se agora e entregue sua arma. Só preciso dar um sinal aos meus arqueiros e você será feito em frangalhos.

- Vai sacar ou não? – alheio às ameaças, o cavaleiro estava focado no combate. Soou como um novo desafio, mas não era. O código da cavalaria proibia os paladinos de atacar oponentes desarmados.

Furioso, o sargento puxou a espada. Foi tudo muito rápido. Antes que a lâmina saísse completamente da bainha, a arma do cavaleiro brilhou na noite e rasgou a garganta do militar, de um lado a outro.

Os outros guardas a pé pegaram suas espadas, e no passadiço os arqueiros miraram as flechas. Mas quando estavam prontos a atirar, uma mancha assustadora revelou-se na escuridão. Grammal subira na muralha e agora pegava os sentinelas desprevenidos!

Com um só golpe, o bárbaro pôs dois a nocaute. O primeiro sentiu o fio do machado na cabeça. Nem o elmo de aço ajudou. O golpe abriu um buraco no crânio e seguiu seu curso para atingir o segundo arqueiro no rosto. Um terceiro levou um esbarrão e perdeu o tiro, mas outros dois conseguiram disparar.

Uma flecha errou o alvo e a outra acertou o cavaleiro Ares no ombro. Felizmente, a armadura absorveu o impacto, e a flecha ficou presa na ombreira de metal, sem alcançar a carne.

Com o líder morto, era mais fácil derrotar os outros guardas. Ares entrou em combate com quatro guerreiros, feriu um no braço e matou o segundo com uma estocada no peito. Os restantes fugiram.

No passadiço, aconteceu coisa parecida. Dos três arqueiros ainda vivos, só um tentou encarar Grammal, e acabou com o machado fincado nas costas.

- Encontrei a chave – gritou Ares, lá de baixo, mexendo no cinto do sargento.

- Ótimo. Vamos sair logo daqui – insistiu o semi-orc, enquanto descia a muralha com habilidade impressionante.

Ares não entendia o motivo da pressa. É claro que não podiam ficar ali por muito tempo, mas os guardas haviam sido derrotados.

Então, escutaram um apito: um batalhão estava a caminho.

- Eu conheço o procedimento – justificou-se Grammal.


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5 comentários:

  1. Você gostaria de publicar esta história la no Nerd Escritor?

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  2. Você esta dando uma ajeitada no blog.. muito bom!
    E... o que é a HyperFantasia?

    Ei.. e se pudar liberar os comentários para colocar o nome a URL como você fez la no Filosofia Nerd.. seria bem legal. :)

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  3. Eduardo!
    Acabei de ler os seis capítulos. Que leitura boa! Nada do peso que muitos autores colocam em seus livros, por ironia acho que eu até sou assim, carregando minhas frases. Tenho que melhorar isso, mas a sua narrativa está ótima. A descrição da batalha, a motivação e argumentos estão coerentes.
    Parabéns!
    Um exercício que na minha opinião já está com boas notas.
    Estarei aqui acompanhando.
    Abraço e até.

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  4. Pelo amor de qualquer coisa, não pare...

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