sábado, 14 de março de 2009

Capítulo 5 - Cidadela dos Ladrões

Grammal, o bárbaro semi-orc, bebeu o último gole de cerveja da caneca. Já tinha tomado várias doses, mas sua resistência superior o fazia agüentar muitos copos sem desabar. Mito ou não, muita gente acreditava que os orcs até lutavam melhor quando bêbados, embriagados pela loucura do álcool.

Mas Grammal não estava bêbado... nem perto disso. Ele havia gastado todo o dinheiro que lhe restara com bebidas e jogo, e agora sobrara muito pouco – só uma dúzia de peças de prata e algumas moedas de cobre, nada mais.

Olhou à sua volta. Como nunca fora de economizar, tinha escolhido a melhor estalagem da cidade, o que ali não significava grande coisa. Yamasha era conhecida em toda a parte como “A Cidadela dos Ladrões”, um reduto reservado aos bandidos, criminosos e vilões mais deploráveis do reino.

A taverna chamava-se “A Fornalha”, provavelmente por causa da enorme lareira circular construída no centro do salão. A chaminé de latão lembrava a forma de um chapéu de aba larga, que recolhia a fumaça e o calor em excesso e os cuspia para a noite gelada. Mesmo no auge do verão, as madrugadas eram frias. Yamasha estava encravada no topo das montanhas Kapesh, um ponto estratégico, inacessível por cavalo e portanto difícil de ser sitiada ou invadida.

As mesas estavam lotadas de aventureiros apostando nos dados, prostitutas traiçoeiras e traficantes negociando porções de poêmia, uma flor exótica cujo fumo tinha propriedades alucinógenas.

Grammal enxergou o seu reflexo no fundo da caneca de ferro. Aos humanos, parecia um homenzarrão deformado, com os caninos inferiores projetando-se para fora da boca. Algumas cicatrizes de luta marcavam seu rosto, e a pele áspera exibia um tom acinzentado.

Era forte, até mesmo para um semi-orc, o que lha dava uma boa vantagem na hora de afundar o machado no crânio de um inimigo. Quando jovem, sentia-se desconfortável usando armaduras, mas a cautela o ensinou a vestir sempre uma placa de metal sobre o peito, o que já o salvara inúmeras vezes em combate.

O bárbaro pegou uma moeda de cobre e fez sinal para a bela moça que carregava copos de cerveja numa bandeja, mas a reação da atendente o surpreendeu.

- Já está pago – disse a jovem, pousando a bebida à sua frente.

- Por quem? – quis saber Grammal. A vida de escravo e mercenário o ensinara que nada nesta vida era de graça.

- Aquele sujeito ali, na mesa logo abaixo da escada – a moça apontou.

Sentado no canto mais escuro do salão, um homem bebia uma taça de vinho. Era humano, e tinha o corpo forte - sem dúvida um guerreiro. Vestia um sobretudo velho e surrado, certamente para ocultar uma armadura pesada. O rosto estava coberto pelo capuz.

O homem levantou a taça, como se fizesse um brinde, cumprimentando Grammal à distância. O semi-orc retribuiu e, curioso, foi até a mesa para conhecer a misteriosa figura que o havia saudado.

- Grammal, não é? Seu nome? – começou o forasteiro, e o bárbaro enxergou sua face. Era um homem novo, pouco menos de 30 anos. O rosto, porém, tinha a aparência madura, como o de um soldado que já lutara em muitas guerras. O cabelo fora aparado bem curto, protocolo comum nos exércitos civilizados, e estava armado com uma grande espada nas costas.

- Eu o conheço?

- De certa forma – o homem abaixou o capuz – Lutamos juntos uma vez, na ofensiva a Shusan.

- Juntos? – Grammal chegou mais perto para ver melhor o rosto do forasteiro – Não me lembro de você.

- Você era Sangue Negro? Ou ainda é? – Sangue Negro era a organização de mercenários a qual Grammal pertencia, e junto da qual ajudou a derrubar a fortaleza Shusan, numa campanha que reuniu vários exércitos há um ano.

- Bom... parece que você sabe um bocado sobre mim. Mas ainda não me disse quem é você.

- Meu nome é Ares, cavaleiro e soldado. Faço parte do corpo auxiliar do Oitavo Exército do Rei. Eu o vi lutar, e estou aqui para lhe oferecer um serviço. Isto é, se ainda trabalha como mercenário.

Antes que o homem terminasse, Grammal não conseguiu conter o riso. Era impressionante como aquela cidade era cheia de loucos, que faziam de tudo para enganar as pessoas. Ele só não compreendia o que o forasteiro ganharia com aquilo.

- Qual é a graça?

- Você é um cavaleiro do Oitavo Exército? Aqui, em Yamasha? – desatou a rir novamente. Ares supôs que fosse o efeito ao álcool – Sabe o que eles fazem com homens do rei por aqui?

- Uma coisa de cada vez. Primeiro, eu não sou um “homem do rei”. Disse que faço parte do corpo auxiliar. No momento, não estou a serviço da Coroa.

Ares tirou um saquinho de couro que levava no cinto e o entregou ao bárbaro. Incapaz de conter a curiosidade, Grammal espiou. Meia dúzia de pedras preciosas reluziram à luz dos candelabros: esmeraldas, turquesas e rubis avaliados em, pelo menos, 500 peças de ouro. Sem demora, o semi-orc fechou a bolsinha e olhou ao redor para ter certeza de quem ninguém os notara.

- Você guardou as pedras, então suponho que tenha aceitado o serviço – incitou Ares – Nem quer saber o que tem de fazer?

Grammal ficou confuso. O homem civilizado falava difícil e era tão direto que não deixava muitas opções.

- Tem mais? Digo, dessas gemas?

- Claro. Esta é só a primeira parte.

- Qualquer missão difícil para um cavaleiro é fácil para um bárbaro – descontraiu Grammal, tentando mostrar que não ficara encurralado com a conversa de Ares – Mas é bom saber que sou um guerreiro, não ladrão ou assassino.

- Quem falou em assassinato? – Ares se levantou. O semi-orc o seguiu até o lado de fora da estalagem.

- Tudo bem. Quando e onde eu começo?

- Já começou.

- Pode ser um pouco mais claro? – Grammal já estava começando a ficar irritado – Escuta uma coisa, cavaleiro, é com este machado aqui que eu ganho a minha vida. Não sei ler, escrever, e nunca fui bom com enigmas. Então, se quiser que eu o ajude, vai precisar ser mais específico.

- Você se lembra quando disse lá dentro que ninguém gosta de homens do rei por aqui? – ele abriu um pouco a capa, deixando aparecer a armadura. Era de metal, completa, e tinha um desenho indistinguível forjado no peito – Como um sujeito como eu chegaria até Yamasha? Escalando?

- Não com tanto peso. Não com uma armadura pesada.

- Eu entrei pela porta da frente. E pelo jeito o meu disfarce não funcionou. Não me impressiona – Ares parecia bem calmo para alguém com a cabeça a prêmio - Nunca fui bom em mentir.

- E o que aconteceu?

O cavaleiro sacou a espada.

- Eu tive que me defender.

- Se você arrumou confusão nos portões, então os guardas devem estar vasculhando a cidade à sua procura. Como pretende sair?

- Eu esperava que você me dissesse. Foi para isso que eu o contratei.

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Continua no próximo capítulo

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